Muitos analistas de mercado foram surpreendidos com a última decisão do Copom de cortar a taxa Selic em 0,5 ponto porcentual contrariando, aparentemente, a sinalização de "parcimônia" da ata anterior.
Podemos entrar em todo o tipo de especulação sobre por que o presidente da autarquia deu o tal "voto de minerva" a favor do corte. Mas seria melhor, certamente para traçar cenários prospectivos, entender a tal surpresa como a primeira instância da mudança de regime monetário que vai acontecer em etapas até a muito provável ascendência de Gabriel Galípolo à presidência da autarquia.
Importante entender o que vai acontecer como mudança de regime porque a ideia de regime ultrapassa os parâmetros institucionais e engloba os paradigmas intelectuais utilizados para guiar a condução da política monetária.
Nunca tivemos alguém das escolas heterodoxas no Copom, muito menos na sua presidência. Desde a implantação do regime de metas, o Copom tem sido composto por membros oriundos de escolas ortodoxas (ou "mainstream"), com forte representação da PUC-Rio, com vários doutorados feitos na universidade de Princeton, uma das mais fortes escolas da teoria monetária "nova keynesiana", o paradigma intelectual largamente aceito entro a maioria dos bancos centrais.
Não há, obviamente, nada errado nisso, e eu pelo menos sou contra qualquer "reserva de mercado", especialmente intelectual. Acho salutar que os heterodoxos terão a oportunidade de mostrar o que de fato pode ser feito de diferente, já que ficar criticando de fora é sempre fácil e cômodo.
Não se trata de temer algo catastrófico, a iminente "argentinização" da política monetária. Como já deveria ter ficado mais do que evidente depois do mini pânico recente de parcela expressiva do mercado com a questão fiscal, o Brasil tem limites institucionais que delimitam escolhas mais radicais. E, de qualquer forma, não me parece que o provável futuro presidente da autarquia se enquadre nas alas mais radicais do espectro heterodoxo, e ele não deve trazer radicais para compor o novo Copom heterodoxo.
Mas também não se trata de pensar que nada ou muito pouco vai mudar. Gostaria muito ouvir de dos heterodoxos algumas considerações básicas, de cunho teórico, mas com importantes consequências práticas, como:
A política monetária é neutra no longo prazo?
Existe uma taxa de juros neutra? Ela pode ser estimada para servir de parâmetro para a determinação da Selic?
O "forecast targeting" serve como regra operacional básica da política monetária no sistema de metas?
A plena ancoragem das expectativas de inflação deve ser uma das condições perseguidas pela política monetária? E como devem essas expectativas serem medidas?
O BC deve operacionalizar um mandato duplo de fato? Se sim, como conciliar os mandatos de emprego e inflação?
O BC deve sempre perseguir a meta, ou assegurar que a inflação esteja dentro do intervalo das bandas?
Há alguma circunstância onde o BC deveria interferir na precificação da estrutura a termo das taxas de juros?
O BC deve assegurar que a taxa de câmbio esteja em patamares condizentes com os propósitos da política econômica?
Como deve ser a coordenação e harmonização entre a políticas monetárias, fiscais e creditícias?
Para cada uma dessas perguntas básicas, sabemos as respostas de um Copom ortodoxo. Eu, pelo menos, não sei nenhuma das prováveis respostas de um Copom heterodoxo.
Estou muito ansioso para saber, já que as respostas devem guiar a atuação do Banco Central dentro do novo regime monetário. Disso depende onde estaremos dentro de um espectro entre um Copom um pouco mais dovish, o que me parece a mudança mínima que certamente devemos ter, a um que está disposto a implementar novas maneiras de atuar e intervir nos preços de mercado.