Mais um ano em que as expectativas iniciais estão sendo frustradas. No fim de 2023 parecia que estávamos caminhando para o tão desejado “pouso suave” a nível global, com um crescimento abaixo do potencial, mas não recessivo permitindo uma gradual recalibragem do aperto monetário com a convergência da inflação à meta. Essa narrativa parecia bem descrever a situação de várias economias, inclusive a dos EUA e do Brasil.
Esse otimismo não durou muito. Já em janeiro os dados de inflação nos EUA indicavam que a boa sequência do final de 2023 está sob risco. Inicialmente descontado como fenômeno sazonal, dados de inflação subsequentes e níveis mais robustos do que o esperado de atividade não embasam o discurso do pouso suave, levando o mercado a pensar mais na linha do “no landing” e até contemplar a possibilidade do Fed ter que aumentar ainda mais os fed funds para forçar a inflação em direção à meta.
Localmente as notícias também não foram positivas. Enquanto recentemente a inflação deu um sinal mais positivo, a recente decisão de rever as metas de déficit primário reacendeu o temor de que o novo arcabouço fiscal já tenha fracassado, e que vamos ver uma piora sequencial dos índices de endividamento nos próximos anos.
O governo não teve sorte em ter que tomar essas decisões no meio do turbilhão global causado pela questão do juro americano e os ataques entre Israel e o Irã. Vale a regra que toda notícia local é filtrada, para o bem ou mal, pelo ambiente global.
Quero tratar aqui especificamente da reação do Banco Central, mas um rápido comentário sobre a questão fiscal.
Acho declarações - e vimos muitas - de que o controle fiscal do governo “é de mentira” ou que o Brasil “está sem âncora fiscal” um tanto exageradas, feitas no “heat of the moment”.
Mas é óbvio que o sistema atual tem um problema estrutural - de fato o mesmo problema que o bem mais querido (pelo mercado) teto de gastos também tinha: regras de indexação e reajustes de gastos obrigatórios acima do estipulado pela regra de gastos totais.
Com os pisos de saúde e educação e a regra do salário mínimo, não há regra que sobreviva, e até que esta questão for endereçada, o mercado está certo em projetar uma piora fiscal. Com a vontade de aumentar ainda mais a arrecadação se esgotando, chegou a hora de resolver essa questão e desarmar a bomba relógio da indexação do orçamento.
Não me parece que esse debate esteja maduro o suficiente para ser resolvido, e então devemos ver um “muddling through” da questão fiscal, sem um forte descontrole, mas também sem uma clara tendência de melhora estrutural.
Dada essa avalanche de más notícias, o nosso Banco Central, em fala de Roberto Campos durante a reunião de primavera do FMI, fez o certo a sinalizar um abandono do forward guidance que já tinha sido encurtado para somente a próxima reunião.
Forward guidance só serve se há uma confiança relativamente alta no cenário base, de tal forma que o Banco Central pode então indicar uma trajetória provável da taxa de juros futura. Com o aumento da incerteza em todas as frentes, isso não está valendo.
Lembremos que o Banco Central demorou algumas reuniões para abandonar o forward guidance da época na pandemia, retardando o início do ciclo de alta de juros. Felizmente este erro não foi repetido.
O que deve ser feito? Insistir em cortar a Selic neste ambiente não ajudará em nada as condições financeiras, que já estão mais restritas pela desvalorização cambial e inclinação da curva de juros. Um corte nominal, de 0,25 ponto porcentual, talvez, dadas as condições atuais, seja mais indicado, e a partir daí o Banco Central não deve sinalizar nada - nada mesmo - para o futuro.
Bancos centrais têm mostrado a tendência de exagerar o uso de forward guidance. Dadas as incertezas e consistente falhas de projeções durante o período pós-pandemia, a melhor atitude seria um pouco de humildade e paciência em deixar as tendências se realizarem nos dados.
O Fed de Powell tem sido um dos piores exemplos. De um lado fica claro que Powell não confia nas projeções da instituição, e está operando em modo “data dependent”. Mas apesar disso Powell não consegue não sinalizar uma narrativa hawkish ou dovish que acaba rapidamente se frustrando, gerando desnecessária volatilidade nos mercados.
Não sei se o nosso Banco Central terá mesmo a coragem de dizer “não sei”. Mas é isso que deveria ser a mensagem do próximo Copom.