Um pouco mais de dez anos atrás, o então Chairman do Federal Reserve, Ben Bernanke, estava perante um comitê do Congresso americano, e uma de suas aparições usuais, e em resposta a uma pergunta ele soltou, no meio da resposta, a informação que o Fed talvez estaria pensando em “taper”, ou diminuir, o nível de compras de títulos feitas dentro do programa de QE.
Eu lembro disso porque estava, muito por acaso, assistindo ao Bernanke na televisão. Estava em Tóquio – na época trabalhava no banco de investimento japonês Nomura e estava visitando nossos clientes -- e tinha chegado ao meu hotel. Naquela época todos os canais de TV eram em japonês, com exceção de alguns canais de notícias (tipo CNN), então estava assistindo depois de ter chegado do jantar (pelo fuso horário era noite em Tóquio e manhã em Washington).
Eu claramente lembro ter prestado atenção quando Bernanke falou isso – pensei “isso é interessante”. Mas confesso que não achei nada demais.
Bom, isso foi início do que hoje chamamos do “Tapper tantrum” de 2013, uma forte alta de juros que um posterior estudo do Fed chamou de “um dos maiores choques monetários desde os anos 80”, que teve profundo impacto sobre os mercados emergentes (no Brasil, levou o nosso Banco Central a começar a subir a Selic que na época estavam no menor nível da história).
Me parece óbvio que estamos vivendo um momento bastante similar hoje. A curva longa de juros americana já estava subindo desde junho – mas sem grandes impactos aparentes, seja na economia, seja nos mercados de risco (talvez a alta do dólar globalmente era um efeito colateral mais claro). Mas em sua última reunião, surpreendendo o mercado, as projeções de juros, inflação e crescimento dos membros individuais do comitê- colocadas na tal SEP, ou “Summary of Economic Projectios” vieram bem mais salgadas do que o mercado esperava.
Essas projeções não são uma forma de “forward guidance”, onde o comitê (mais ou menos) promete seguir uma trajetória futura na fixação da taxa de juros, algo que Jay Powell já falou várias vezes.
Mas, como em 2013, o “valor” de uma fala depende muito do contexto, e a SEP pegou o mercado em posição frágil, já carregando perdas em posições nos títulos longos, em um momento onde a economia americana está mostrando uma força maior que o mercado espera, apesar das boas notícias recentes no campo inflacionário.
Quais as consequências dessa forte alta de juros? Depois de um bom começo de ano devido ao surgimento do tema e expectativas sobre a inteligência artificial, as bolsas americanas ruma para o terceiro mês em queda. Índices de condições financeiras mostram nítido aperto – o que deve desacelerar a economia americana (e global). O dólar americano sobre ao redor do mundo, como podemos ver olhando o nosso real.
O Fed está feliz? Pode ser que sim, se a alta de juros representa um movimento endógeno, de equilíbrio, refletindo uma economia menos sensível ao aperto monetário, seja pela continuidade da expansão fiscal, seja pela resiliência dos balanços dos consumidores e empresas que se financiaram nas baixíssimas taxas de juros promovidas pelo Fed entre 2020 e 2021. Com o Fed determinado a levar a inflação de volta a sua meta de 2%, talvez isso seja o preço a pagar.
Mas lembramos que o Fed tem mandato duplo (que eles levam a sério), e há vários outros fatores que devem fazer o nível do crescimento cair no final deste ano (entre eles, a retomada dos pagamentos dos empréstimos dos estudantes, que foram congelados durante a pandemia, e a recente alta nos preços do petróleo). O esperado “buraco” no consumo pode acelerar e virar um processo recessivo, enterrando as esperanças em um pouso suave.
Em 2013 o “taper tantrum” só se acalmou quando o Fed fez uma intervenção “verbal” para acalmar os mercados. Será que a história vai se repetir durante o “tantrum” atual? É possível, mas por ora improvável. Os dados mais recentes (por exemplo, os índices do setor industrial) vieram mais fortes do que esperado, e temos os dados de desemprego nesta sexta. Até algo “quebrar” (um banco, o próprio mercado, algum emergente) ou economia surpreender negativamente, o Fed deve ficar assistindo (um pouco nervoso, eu não tenho dúvida) os mercados e a economia se ajustar ao “higher for longer” de juros sinalizado no SEP.
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