Finalmente um mês negativo nas bolsas americanas. Oportunidade de compra ou o começo de uma correção mais profunda (seguindo o ditado “sell in May and go away”)?
Mês passado tínhamos alertado para o fato que a inflação americana – como os fundamentos que ajudam a determinar a inflação – estavam mais para um “no landing” do que o pouso suave sinalizado pelo Fed e desejado pelo mercado.
E os dados durante o mês – especialmente os dados de inflação - foram todos nessa direção (com algumas pequenas exceções). O CPI, por exemplo, saiu 3.5% ano/ano- o quarto mês rodando no patamar de 0,4%.
Lembramos que na última reunião do Fed Powell disse que era importante “não ter uma reação exagerada” aos dados mensais, e a parte mais dovish do mercado continuava acreditar que os dados estavam poluídos por fatores sazonais típicos do início do ano. Mas depois de março, tais argumentos acabaram perdendo força: houve uma clara aceleração da inflação americana no início do ano.
Isso não deveria ser nenhuma surpresa. Mais uma vez o mercado/economistas ficou muito impressionado com o otimista forward guidance do Fed com o pivotada dovish de dezembro, e esqueceu de olhar os fundamentos.
Condições financeiras (estou aqui usando o índice do Chicago Fed) começaram a ficar mais expansionistas no meio de 2023 e esse movimento acelerou no final do ano. E a despeito da recente correção altista nas taxas das Treasuries e das bolsas, há somente uma leve reversão contracionista no final de abril que deve ser revertida com o movimento dos mercados nos últimos dias.
O patrimônio líquido das famílias (total net worth) no final do ano estava subindo 8,4%, com os preços dos imóveis – a despeito de taxas de financiamento imobiliário superando 7% ao ano – subindo 6,6% no ano. Mais um dado interessante: o pagamento de juros pelo Tesouro americano superou um trilhão de dólares nos últimos doze meses. Em 2020, essa cifra estava em 450 bilhões de dólares. Se os juros não caírem, o Bank of America calcula que chegaremos a 1,7 trilhões em 2025.
Há algumas qualificações. É verdade que muitos desses benéficos estão se concentrando no topo da pirâmide de renda – quem tem mais ativos que passivos. Assim, dados como inadimplência nos cartões de crédito ou em empréstimos para a compra de automóveis estão subindo. E o setor de imóveis comerciais está em plena crise apesar do jogo de “extend and pretend” entre as empresas do setor e o sistema bancário.
Mas o “conjunto da obra” ainda aparece muito saudável. Não devemos esquecer talvez os mais importantes condicionantes da demanda agregada: o déficit fiscal está rodando perto de 6%, e a média desde 2020 está em 9,4% ao ano. E com as pesquisas eleitorais ainda dando Trump como vitorioso, o governo Biden está em modo populismo fiscal (mais um pacote de perdão de empréstimos estudantis foi anunciado recentemente).
Com esse cenário o mercado chegou na reunião do Fed bastante preocupado, especialmente depois de falas hawkish por Jay Powell durante as reuniões de primavera do FMI em Washington. Seria possível ver uma pivotada hawkish anulando o que ocorreu em dezembro?
Felizmente - para o mercado – não, de fato muito ao contrário! Reconhecendo no comunicado que “progresso continuado” na convergência da inflação à meta de 2% foi interrompido no início do ano, Powell, porém afirmou sua forte convicção que a inflação em breve voltará a se comportar melhor com condições monetárias restritivas. É só uma questão de tempo para voltar ao caminho da convergência..
Durante a conferência de imprensa os repórteres tentaram de todas as maneiras tirar de Powell qual o cenário para o Fed voltar a subir os juros, mas Powell permaneceu resoluto em sua convicção que o próximo movimento será de queda.
E, seguindo a ideia que o que importa é o último dado, o número de novos empregos (Non-farm payroll) para abril saiu em 175 mil contra 240 mil esperados, com salários subindo somente 0.2% e a taxa de desemprego subindo para 3,9% - o tipo de número “goldilocks” que o mercado desesperadamente gostaria de ver, mostrando que Powell acertou em sua mensagem dovish.
Assim começamos maio de forma bem mais positiva do que foi abril. Sigo uma regra que, se não infalível, tem uma taxa de acerto bastante alta: se o payroll for positivo, o mês será positivo: buy the April dip!
Apesar do payroll, não vamos esquecer que ainda temos uma economia com demanda sobreaquecida e com uma inflação atolada acima de 2%. Powell certamente não vai subir os juros mais neste ciclo, mas o caminho para cortar o fed funds ainda não existe. Os dados de inflação ao longo do mês vão ditar se a reação positiva aos dados do mercado de trabalho terão ou não fôlego para continuar.