Como será lembrada a última reunião do Copom, com seu surpreendente voto de 5 a 4, dividido entre os membros indicados pela gestão Bolsonaro e a gestão do atual governo?
Se de fato, como vários membros do Copom e até o ministro da Fazenda tem defendido, o racha foi devido a uma discussão “técnica” sobre a conveniência de manter ou não o forward guidance da reunião anterior, e que há de fato uma diagnóstico compartilhado que o momento requer cautela (termo usado repetidamente na ata da reunião) e uma política monetária contracionista, a última reunião deve passar para a história sem grandes consequências.
Mas se não, essa reunião deve se igualar à infame reunião de agosto de 2011 que sinalizou uma drástica mudança de atuação do Banco Central, levando a uma contínua perda de sua credibilidade, algo somente plenamente restabelecido a partir de 2016 depois de um ciclo de aperto monetário que elevou a Selic para 14,25%.
O fato é que, olhando a função de reação defendida na ata (convergência da inflação a meta e plena ancoragem das expectativas); o diagnóstico pessimista sobre a dinâmica da inflação (onde alguns membros cogitaram tornar o balanço de risco assimétrico); e a piora adicional no Focus (atualmente 3,74% para 2025), a única decisão cabível na próxima reunião, se não houver uma melhora exógena no cenário, será um voto unânime pela manutenção da taxa Selic no patamar atual.
A atual minoria - mas futura maioria no Copom - de membros indicados pelo governo Lula não tem apresentado uma visão alternativa do cenário que permite, a partir do fim da discussão sobre o guidance, uma conclusão para cortes adicionais na taxa Selic.
Tal leitura alternativa poderia partir da boa dinâmica da inflação corrente; o alto nível da taxa real ex-ante em relação a estimativa da taxa neutra; a incerta relação entre o mercado de trabalho e a dinâmica da inflação no cenário pós-pandemia; e a recente melhora no cenário externo, com o mercado voltando a precificar cortes na taxa de juros nos Estados Unidos.
Lembro aqui a fala do diretor de política monetária no evento do Valor em Nova York, onde foi defendido o diagnóstico pessimista apresentado na ata e a função de reação incluindo a necessidade de convergência à meta de inflação e a plena ancoragem das expectativas. De fato, o diretor disse que quase votou para um corte de somente 0,25 ponto porcentual, e só não fez para, na sua visão, reforçar sua credibilidade apoiando o guidance dado na reunião anterior. Logo, não vejo como concluir que o diretor Galípolo possa votar para cortes adicionais na taxa Selic dado os condicionantes como descritos na ata que ele apoia.
Lembramos que atualmente o Focus projeta uma Selic de 10% para o final deste ano, mas uma inflação de 2025 acima da meta de 3% - algo que se vê também para 2026 e 2027. Somente podemos concluir que o mercado está questionando a credibilidade da instituição e, dado que teremos um novo presidente em 2025 como maioria do Copom nomeados pelo governo atual, o compromisso da futura maioria com a atual meta de inflação.
Se de fato há esse compromisso - algo publicamente defendido por esses membros - agora chegou a hora de provar isso: votar pela manutenção da taxa Selic, apesar da possibilidade de enfrentar críticas da classe política. Qualquer dissenso desses membros, especialmente se for repetido o voto em bloco, confirmará a suspeita que o compromisso com a meta de inflação e a plena convergência das expectativas é algo somente relativo, subordinado a outras considerações.
Se isso for verdade, esses membros devem defender de forma analítica e clara sua distinta função de reação e visão alternativa do cenário. Não há dúvidas que o mercado terá uma reação inicial negativa, mas se ao longo do tempo essa visão alternativa se confirmar, esses membros do Copom serão comprovadamente corretos no seu diagnóstico. Em breve vamos saber, chegou a hora da verdade para a futura maioria do Copom.