Crise – ainda contornável – de confiança
Estamos no momento mais delicado do governo Lula, mas o que fazer é óbvio
A reação do mercado na última sexta-feira ao que “vazou” de uma reunião fechada entre integrantes do mercado financeiro e o ministro da Fazenda é emblemático da crise de confiança que se instaurou nos nossos mercados.
Primeiro, como já discutido na mídia, não parece que Haddad disse nada neste encontro fechado que pode ser caracterizado como uma grande novidade ao ponto de mexer nos mercados como ocorreu sexta à tarde. Ele admitiu (se implicitamente) que a indexação do orçamento torna o arcabouço fiscal inviável, e quem vai decidir o que fazer sobre isso será o presidente Lula. Ler nisso um sinal de “fraqueza” - uma das interpretações defendidas por alguns - é no mínimo bastante ingênuo.
É verdade que o ambiente no final da última semana era bastante negativo, com o impacto de mais um payroll americano superando as expectativas dos analistas e os efeitos sobre os emergentes da eleição mexicana. Isso dito, claramente o que estamos vivenciando tem suas raízes em questões domésticas.
Estamos em uma espiral negativa desde a mudança da meta do resultado primário (a despeito do mercado ter amplamente esperado essa mudança) e o suposto dissenso “técnico” no último Copom. Ambos esses eventos criaram um agudo aumento de incertezas sobre a condução futura das políticas fiscais e monetárias.
Do lado fiscal está mais do que claro que estamos no limite do que é politicamente viável em termos de aumento de receita, e que, sem endereçar a indexação dos gastos obrigatórios, rapidamente não vamos ter mais espaço para gastos discricionários - inclusive investimentos - o que torna o arcabouço fiscal inviável. Como e quando Lula resolverá essa questão?
Na política monetária, pode até ser que o dissenso do último Copom tenha sido pelas razões técnicas alegadas, mas a verdade é que os “optics”, como dizem os americanos, de uma decisão rachada entre os membros nomeados pelo governo atual e do anterior foram péssimos, algo que todos os envolvidos deveriam ter entendido quando estavam oferecendo seus votos.
Se o presidente decidir alterar o arcabouço - um sistema que já foi concebido com bastante flexibilidade - e/ou promover uma guinada mais aguda à esquerda na política fiscal, vai induzir forte deterioração ainda maior na precificação dos mercados, o que apresentará aperto adicional das condições financeiras, mais do que neutralizando qualquer efeito positivo sobre a demanda de um gasto marginalmente maior. Como no caso do governo Biden, não acredito que a recente queda de popularidade tenha a ver com a questão econômica - de fato a economia “real” vai relativamente bem - mas com certeza uma piora na economia não vai ajudar o governo ou as perspectivas de reeleição.
Do lado da política monetária, a nomeação de um nome ortodoxo para a presidência do BC resolveria, se não imediatamente, a desancoragem das expectativas de inflação e o hoje grande prêmio na curva de juros. Colocar “um dos nossos” implica, forçosamente, e sem demérito a quem que seja, um período talvez longo de ganho de credibilidade, o que continuará a cobrar custo adicional e inevitável para a atividade e o financiamento do déficit fiscal.
Obviamente aqui também uma guinada à esquerda será desastrosa para o projeto político do governo. O efeito sobre a inflação seria muito rápido, e se há algo que estamos vendo em vários países neste período pós-pandemia, é que inflação alta é realmente politicamente desastrosa, até se o resto da economia for bem, e não acho que o Brasil foge dessa realidade política.
Há tempo para reagir. Primeiro, há muito tempo para a próxima eleição (diferentemente, por exemplo, da situação do governo Biden). O ambiente externo deve, até o final do ano, melhorar quando o Fed finalmente puder cortar sua taxa de juros.
Do lado da política monetária, a despeito da questão de quem deve ser o presidente do BC a partir de 2025, temos que ver uma decisão unânime no próximo Copom para a manutenção da taxa Selic no patamar atual sem qualificação, e o compromisso “do whatever it takes” para atingir a meta de inflação de 3%. Um comunicado curto e uma ata enxugada ajudaria a começar a controlar a atual perda de credibilidade pairando sobre a autarquia e os membros recentemente nomeados.
A questão fiscal é obviamente mais complexa, mas aqui se houver do presidente um alinhamento com o diagnóstico já sendo oferecido pelos ministros da Fazenda e Planejamento sobre a necessidade de alinhar a indexação do orçamento a capacidade fiscal, abrindo um debate sobre quais as melhores opções de garantir a sustentação financeira do estado junto com a proteção social, a expectativa de uma reforma futura fruto do debate já deve ajudar no realinhamento gradual das expectativas sobre a dinâmica fiscal. Como já vimos em episódios recentes das reformas da previdência e tributária, quando há um consenso da necessidade de uma reforma, o próprio processo de debate parlamentar junto a sociedade gera momentum político que leva a reforma a ser aprovada, e tal expectativa é crucial para o mercado.