A surpreendente - e talvez não tão errada - decisão da Moody's
Contemplando um improvável otimismo
A decisão da agência Moody's de subir a nota soberana para Ba1 - portanto um "notch" abaixo do grau de investimento perdido em 2015 - com perspectiva positiva surpreendeu o mercado, que tem, consistentemente ao longo deste ano, aumentado seu pessimismo com a questão fiscal brasileira. Como explicar tão forte divergência de opinião?
É fácil criticar as agências como um todo, e foi comum lembrar como essas agências concederam as suas maiores notas para complexas estruturas de hipotecas subprime antes da crise de 2008.
Mas, lendo o comunicado, podemos ver que há uma lógica e raciocínio por trás da surpreendente decisão, como também uma falta de consideração para alguns riscos da gestão fiscal que foram ignorados pelos seus analistas.
Talvez o ponto mais saliente foi a aceitação da tese que, depois de três anos de crescimento, surpreendendo fortemente as expectativas do mercado, o potencial da economia brasileira tem de fato subido de forma estrutural - e portanto - permanente.
Se isso for verdade, a trajetória do endividamento público a médio prazo melhora bastante (lembrando que a dinâmica da dívida é uma função de três variáveis: nível de gastos primário, taxa de juros real e crescimento econômico real, onde os dois últimos fatores levam a famosa equação "r-g").
A Moody's acredita que a economia pode crescer 2,5% de forma sustentável, contra a média de 1,5% antes da pandemia, citando "reformas estruturais" e a alta de investimentos como causas.
Apesar de errar o nível de crescimento desde 2022, o mercado local não acredita na tese de um crescimento potencial maior. A tese vigente é que esse crescimento tem como principal causas uma combinação dos fatores advindo da reabertura econômica pós-pandemia e da forte alta de gastos promovido pela PEC da Transição no início do governo Lula.
Se o crescimento maior então for em grande parte devido a um choque positivo de demanda advindo da política fiscal, o forte crescimento não será duradouro porque veremos um crescimento acima do potencial, onerando o nível de inflação e a conta corrente. Fenômeno similar ocorreu entre 2012-2014. Vale lembrar que o Banco Central recentemente admitiu que a economia hoje de fato está crescendo acima do seu potencial na justificativa para iniciar novo ciclo de alta de juros.
Assim, o que divide a Moody’s da posição majoritária do mercado local é a fonte da alta do crescimento, com a agência apontando o lado da oferta (fruto de reformas e investimentos) e o mercado olhando o lado da demanda (fruto de gastos e transferências).
Vale notar que ambas as explicações não são mutuamente exclusivas: é bem possível acreditar que há elementos de demanda e oferta trabalhando ao mesmo tempo, e infelizmente é bastante difícil empiricamente distingui-los em tempo real; somente com o tempo vamos saber qual conjunto de fatores explica o bom momento atual. A péssima experiência que tivemos entre 2012-2015, levando à Grande Recessão, serve de aviso, mas não devemos em função dela pressupor que teremos um final igualmente trágico para o episódio atual.
Também é importante notar a "cenoura" que a Moody's está dando ao governo: se o crescimento dos gastos obrigatórios for colocado de forma permanente em sintonia com o teto de crescimento do arcabouço fiscal, o Brasil voltará a ser grau de investimento.
Desde o anúncio da proposta do arcabouço fiscal, eu tenho argumentado que na verdade ele é um tipo de teto de gastos "de esquerda" e, portanto, representando um framework razoável para a questão fiscal, lembrando quem ganhou a última eleição (o que levou a muitas acusações de petismo latente da minha parte).
Mas, desde a sua aprovação, apontei que a indexação dos gastos obrigatórios representava uma bomba relógio que teria de ser desarmada, e que a tentativa de resolver o desequilíbrio latente via aumento de receita estava com seus dias contados - em algum momento algo teria de ceder.
Essa corrida contra o tempo continua. Neste ano, o crescimento maior está ajudando e o governo deve entregar um resultado dentro da meta (se usando explicitamente o limite inferior da banda, algo nada aconselhável). Há dúvidas sobre os próximos anos, e medo de que, como em 2013 e 2014, o expediente usado será a utilização de medidas de "contabilidade criativa" para entregar resultados "para inglês ver" (especialmente os das agências).
Tudo isso certamente são riscos de cenário, e justificam - pelo menos em parte - o forte prêmio de risco na curva de juros e no câmbio. Mas, na medida que o crescimento maior continue a surpreender (lembrando que a taxa Selic está mais uma vez em elevação, mas os Fed funds estão em queda), é também possível imaginar um cenário onde a posição fiscal se mantém um pouco abaixo de zero, mas não em rota de crescimento, e que a perspectiva de uma nova rodada de reformas fiscais no início do próximo governo - independente de quem ganhar a eleição - pode resolver a contradição atual do arcabouço, levando ao grau de investimento.
Não estou colocando esse cenário otimista como o cenário base: pessoalmente acredito que há mais elementos de demanda/fiscal do que oferta/produtividade operando neste momento. Mas também acho que um pouco de humildade não faz mal a ninguém, e devemos manter nossas mentes abertas para a possibilidade que o final dessa história seja diferente da tragédia que foi o governo Dilma.