Os mercados não estavam esperando por isso. Depois de ter consolidado a ideia de um pouso suave na economia americana, algo reiterado pelo Fed na sua última reunião, os dados do mercado de trabalho para junho colocam na mesa a questão: já estamos vivendo uma recessão nos EUA?
É bem possível que sim. Lembramos que, em quase todos os episódios recessivos, o início determinado pelo comitê do NBER normalmente é fixado bem antes que o mercado perceba que algo estava errado (por exemplo, o início da Grande Recessão foi em dezembro de 2007, bem antes do início da crise financeira em setembro de 2008). Assim, se os dados de hoje não forem um "ponto fora da curva", isso implica que já estamos vivendo uma recessão nos EUA.
O que mais chama atenção nos dados de hoje foi a alta no desemprego para 4,3%. Ela já dispara a "regra de Sahm", que diz que, se a média móvel de três meses da taxa de desemprego subir mais de 0,5%, a economia entrará em recessão.
O que torna o uso dessa regra (que tem 100% de acerto) incerto na situação atual seria a alta na oferta de trabalho devido à forte onda migratória nos últimos anos (algo que hoje está sendo temporariamente controlado com a ajuda do governo mexicano devido às eleições nos EUA). Pressupondo que imigrantes recentes demoram mais para achar emprego, uma visão mais benigna dos dados seria que o que estamos vendo é um descasamento temporário entre oferta e demanda no mercado de trabalho.
Acredito que isso é parte da história, mas, quando se olha o conjunto dos dados, há claramente um enfraquecimento maior da demanda agregada do que o mercado - e o Fed - estavam projetando. De fato, eu não tenho dúvida que, se o Fed tivesse esses números na última quarta-feira, teriam cortado a taxa de juros.
Assim é agora bem provável que o Fed corte os Fed Funds em todas as reuniões deste ano, e com a volatilidade dos mercados, devemos ver cortes de 0,50%.
É importante salientar aqui que uma recessão "padrão" nos EUA é de fato uma boa notícia para a economia brasileira, por vários canais.
Primeiro, deve levar a uma queda global do dólar americano, aliviando parte da pressão que o real e outras moedas emergentes têm enfrentado nesses últimos meses.
Segundo, deve ter um efeito moderador em preços de commodities e preços de atacado em geral, o que representaria um bem-vindo vetor desinflacionário para o nosso Banco Central. De fato, tal cenário deve diminuir a pressão do mercado por altas de juros adicionais, já que haveria alguma compensação para desvalorização do real e uma abertura no diferencial de juros com quedas dos Fed Funds.
E uma recessão "padrão" nos EUA ajudaria nossa bolsa de valores. Fora nossos vários problemas domésticos, um fator que tem prejudicado nossa bolsa é o forte fluxo global direcionado uma economia americana crescendo fortemente e tendo a temática da inteligência artificial como chamariz. Uma recessão, junto com a recente onda de vendas nas ações ligadas a esse tema, implica mais dinheiro sobrando para as bem mais baratas ações de "value" que compõem a bolsa brasileira.
Notem que eu tenho usado o termo "padrão" para descrever a provável recessão que já estamos vivendo. Com isso quero dizer uma recessão relativamente curta sem elementos de crise financeira. O que tornou a recessão que começou em dezembro de 2007 em a Grande Recessão foi exatamente a crise financeira deflagrada pela quebra do Lehman Brothers em setembro de 2008. A meu ver hoje os riscos de uma crise financeira são bem pequenos, mas certamente não são nulos. Crises, como recessões, ainda são fenômenos econômicos fundamentalmente imprevisíveis.
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Mas o impacto nas commodities não atrapalharia muito o Brasil? Obrigado